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O "jeito certo" de criar filhos

A partir do momento em que decidimos ter um filho, começamos uma busca incessante pelo melhor. Dentro das nossas possibilidades, queremos os melhores médicos, as melhores roupas, a melhor babá, a melhor alimentação, a melhor educação, a melhor maneira de criar… mas espera! Existe uma melhor maneira de criar filhos? Um “jeito certo”, uma fórmula em que basta seguirmos que nossos filhos serão crianças bem desenvolvidas e adultos de “sucesso”?


Opinião todo mundo tem. Fórmulas também tenho visto aos montes. Mas você já parou pra pensar de onde vem tudo isso? De onde tiramos nossos conceitos sobre criar filhos do jeito certo? E se eu te disser que o meu jeito pode ser diferente do seu, que é diferente de uma mãe que nasceu no Japão, e que é diferente de uma outra mãe que mora no Canadá?


Por exemplo, a hora de dormir. A cultura ocidental, possivelmente por ser mais individualista, encoraja a independência da criança desde bem cedo. São ensinadas técnicas de treinamento do sono que vão desde deixar a criança sozinha berrando até cansar e dormir, a rituais noturnos para que o bebê durma bem, quietinho no seu quarto. Na Austrália existem escolas do sono, oferecidas pelo Governo, e que ensinam os pais a treinarem os filhos para dormir. Já nos países asiáticos, a banda toca de um jeito diferente. Lá é normal as crianças dividirem a cama com os pais. Cerca de 80% das famílias que vivem em países asiáticos, como India, Indonésia e Japão, compartilham a cama com os bebês. Na África, essa prática é quase universal.


O que é normal?


A diferença cultural não para por aí. Na Bélgica, crianças podem tomar cerveja. Se você estiver na Itália, as crianças são acostumadas a jantar tarde e podem ficar correndo ao redor da mesa até de madrugada (enquanto tiver adulto comendo e bebendo, pode ter um bambino rodopiando em volta dele). Na Noruega, é comum você ver bebês dormindo ao ar livre em temperaturas bem abaixo de zero. Aqui onde moro, se venta já cobrem a criança toda, para não pegar “friagem” e gripar.


Essas ideias tacitamente aceitas sobre criação de filhos são o que a Dra. Sara Harkness, professora de Desenvolvimento Humano da Universidade de Connecticut, chama de “etnoteorias parentais”. A Dra. Sara há décadas pesquisa como a cultura molda o que chamam de “melhores práticas” no cuidado infantil. Segundo a pesquisadora, essas ideias já estão tão arraigadas na sociedade, que fica quase impossível para os pais terem um olhar mais objetivo e amplo sobre isso. Simplesmente achamos que é assim que se faz, e pronto!


A cultura do stress



E o nosso jeito certo, está certo?


O que temos a fazer é sair da nossa bolha e avaliar a sociedade como um todo.


Nos últimos anos, o consumo de antidepressivos nos Estados Unidos teve um aumento de 400% entre 2005 e 2008 – em apenas 3 anos – segundo dados do Centro Nacional de Estatísticas de Saúde. Um em cada quatro americanos é obeso. A relação entre obesidade e saúde mental é bem documentada e decerto vale um artigo só pra ela.


De acordo com dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o número de pessoas com depressão no mundo aumentou em mais de 18,4%, nos últimos 10 anos. Estima-se que são mais de 322 milhões de pacientes depressivos, cerca de 4,4% da população do planeta.


No Brasil, um estudo feito pela Funcional Health Tech mostra que somos o País da América Latina com mais pessoas ansiosas e estressadas. Cerca de 5,8% dos brasileiros estão com depressão e 9,3% com ansiedade.


As nossas crianças


Semelhantemente, o número de transtornos psicológicos diagnosticados e medicados em crianças também aumentou nos últimos anos. Ao menos 5,2 milhões de crianças e jovens americanos consumiram metilfenidato, conhecido comercialmente como Ritalina, um medicamento utilizado para Transtorno de Déficit de Atenção, somente no ano de 2010, nos Estados Unidos. Por aqui, um levantamento feito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) mostrou um aumento de 775% no consumo deste medicamento entre os anos de 2003 e 2012. Foram 823Kg de Ritalina consumidos durante o ano de 2012. Pelo andar da carruagem, esse consumo já deve ter virado tonelada nos dias de hoje.


Ainda mais, as crianças estão enfrentando um surto de puberdade precoce. Aos sete, oito anos, muitas delas precisam tomar injeções de hormônio para retardar esse processo.


A maioria da população sequer acha isso tudo estranho. Simplesmente acredita que tem que ser assim.


Trocando a lente


E quem disse que tem que ser assim?


E se estamos vendo o mundo com uma lente errada, desfocada, que não nos permite enxergar muito além de um palmo à nossa frente? Se eventualmente tirássemos essa lente, o que enxergaríamos? Se recuássemos um pouco para olhar de longe o que acontece em nossa volta, como seria?


Enfim, te convido a fazer uma autorreflexão. O que você traz em sua bagagem de vida que está influenciando na criação de seus filhos? Seus medos, inseguranças, preconceitos… Você repete com seus filhos os padrões de sua família? Nos seus momentos de fúria, raiva e stress, como você se comporta com eles? Você se sente bem agindo assim?


Vou fazer uma pergunta mais direta: imagina uma situação em que vocês estão em um evento entre amigos e seu filho morde um coleguinha. A sua reação, seja lá qual for – gritar, bater, conversar ou ignorar – foi baseada em que? No que seus pais faziam com você? No que a Influencer maternal ensinou a fazer? Foi orientação da neuropsicóloga? Você agiu por medo do julgamento dos outros pais ou por amor ao seu filho?


Para ser um bom pai ou mãe, é necessário sobretudo um altíssimo nível de autoconsciência. É olhar para dentro mesmo e observar como a sua percepção de mundo influencia na educação dos seus filhos. É identificar e curar feridas internas. Questionar seus comportamentos e suas crenças, para saber se isso é a sua verdade ou foi instalado em você por seus pais ou pela sociedade, como um programa indesejado de computador.


Criar e amar são dois verbos que se parecem muito. E o “jeito certo” só acontece quando usamos os dois juntos.

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