
Ivan Pavlov foi um fisiologista russo, ganhador do Nobel de Fisiologia em 1904 - diga-se de passagem - e que cunhou o termo Condicionamento Pavloviano ou Condicionamento Clássico, graças às suas pesquisas sobre o papel do condicionamento na psicologia do comportamento. Basicamente, ele descobriu que aprendemos por associação. Funciona assim:
1- Um cachorro recebe comida e começa a salivar. Esse é ponto de partida, onde um estímulo natural (a comida) leva a uma resposta fisiológica (salivação).
2- É feito um barulho qualquer, que pode ser bater palmas, tocar tambor, Pavarotti cantando Nessun Dorma... ANTES de dar comida para o cachorro. O cachorro irá babar, por conta da comida, claro, mas esse condicionamento é feito repetidas vezes. Um estímulo nada a ver (o som), apresentado pouco antes do estímulo natural (a comida), será percebido pelo cachorro, que irá salivar.
3- Após certo tempo, o cachorro irá salivar sempre que escutar esse som. O aprendizado por associação aconteceu. O som nunca iria fazer o cão salivar se não fosse associado à comida.
Foi assim que Pavlov descobriu o Condicionamento Clássico. Ah sim, funcionamos assim também! Igual ao cão babento.
O medo condicionado
Uma das formas de condicionamento pavloviano vem recebendo uma atenção especial dos cientistas nos últimos 10 anos – o condicionamento do medo.
Esse condicionamento do medo acontece quando aprendemos que certos estímulos podem predizer eventos aversivos. Desse modo, aprendemos a ter medo de pessoas, lugares, animais e até objetos. É quando nosso cérebro avisa: humm, isso não é nada legal! Esse mecanismo de detecção do medo foi essencial para a evolução da nossa espécie. Afinal, ouvir um barulho de galhos quebrando e sair logo correndo é bem melhor do que dar de cara com os dentes de um urso faminto.
Um dos experimentos mais famosos sobre o assunto foi feito pelos pesquisadores John Watson e Rosalie Rayner, em 1920, que condicionaram o bebê Albert a ter medo de rato. Olha só o que eles fizeram:
Primeiro, eles apresentaram um rato branco ao “Pequeno Albert”. O bebê respondeu com curiosidade e até queria tocar no bichinho. Depois, toda vez que o rato era apresentado ao Albert, logo em seguida era feito um som alto e horrível de um martelo batendo em uma barra de aço. O bebê se assustava e chorava com o som. Após vários pareamentos do rato com o som, o bebê foi novamente colocado em contato com o rato branco (dessa vez sem o som) e imagina o que aconteceu? O bebê Albert chorou, ficou nervoso e quis ficar longe do bichinho. Ele foi condicionado, por associação a uma situação aversiva (o som alto) a ter medo do ratinho. Um experimento desses nunca passaria em um comitê de ética nos dias de hoje, mas foi muito útil à ciência.
Os circuitos neurais do medo
Conhecer os circuitos neurais envolvidos no condicionamento do medo é importante para a compreensão dos transtornos de ansiedade e fobias. Dado o progresso feito na compreensão da base neural do medo condicionado, era natural estudar os processos que poderiam desfazê-lo e assim, sugerir possíveis tratamentos.
Hoje, sabe-se que as áreas cerebrais envolvidas no medo condicionado ou aprendido são a amígdala, o hipocampo, o hipotálamo, o córtex orbitofrontal e a substância cinzenta periaquedutal. O estímulo dessas regiões provoca as mesmas respostas observadas na presença de um perigo real, como comportamento de defesa (respostas de luta ou fuga), ativação do sistema nervoso autônomo (mudanças no fluxo sanguíneo e frequência cardíaca) e respostas neuroendócrinas (liberação de hormônios hipofisários e suprarrenais). Ou seja, um medo aprendido pode causar as mesmas reações fisiológicas que um perigo real.
Da ciência para a vida
Agora que sabemos o que é o condicionamento pavloviano do medo e que o medo pode ser aprendido, podemos refletir sobre algumas questões. Você possui algum medo ou fobia que não se justifica? Que não é real? Eu diria que a grande maioria dos nossos medos são condicionados. São os medos “nada a ver”, o ratinho amigo que vem junto com o barulho. E por acaso, você transfere esse medo para seu filho? Ou anda condicionando seu filho a ter medo de alguma coisa? É bom pensar nisso...
Fontes:
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