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Inoculação ao estresse



Quando falamos de “inoculação” logo lembramos de vacina, não é mesmo? Pois é bem isso.


Inoculação é o ato de introduzir uma vacina, um vírus, uma bactéria, ou outro germe, em um organismo. E nunca se falou tanto em vacina quanto nos últimos 2 anos!


Mas como funciona a vacina? Bem, funciona mais ou menos assim: quando um agente invasor entra em contato pela primeira vez com o nosso corpo, o sistema imunológico reconhece o “corpo estranho” e começa a trabalhar para produzir os anticorpos, que são como soldados que combatem aquela infecção ou doença.


A vacina tem o papel de antecipar uma possível invasão, pois ela apresenta o agente invasor ao nosso sistema imunológico de uma maneira mais branda, que não faz mal à saúde. Desse modo, o corpo já produz os anticorpos necessários para combater o invasor, caso ele apareça.


E será que tem como nos vacinarmos contra outras coisas, como sentimentos ou situações ruins? Teria como nos vacinarmos contra o estresse e assim sermos pessoas mais resilientes e calmas? Os estudos dizem que sim.


O estresse de inoculação


A inoculação ao estresse é um processo de desenvolvimento de resiliência a eventos estressantes futuros, por meio da exposição a experiências levemente estressantes no início da vida.


Estudos em ratos, primatas e em humanos sugerem que a exposição a situações adversas (leves) é protetora, funcionando como uma vacina a situações de maior estresse. Por exemplo, adultos que são expostos ao estresse no trabalho quando adolescentes têm menos efeitos negativos à saúde do estresse relacionado ao trabalho quando adultos.

Entretanto, ao contrário de uma vacina, a inoculação ao estresse não protege contra uma doença somente, mas fortalece o indivíduo contra vários tipos de estressores. Por exemplo, adolescentes que lidaram bem com algumas situações adversas mais cedo na vida, se tornaram adultos com saúde mental melhor, capazes de lidar com situações mais sérias, como perda do cônjuge, doenças graves ou acidentes.


Bem, acho que não precisamos estressar ratos para provar isso, não é mesmo? Uma simples observação ao nosso redor e conseguimos enxergar que jovens que foram superprotegidos possuem maior dificuldade em lidar com perdas e frustrações. Eu não gostaria de te assustar com estatísticas neste artigo, mas entre os anos de 2014 e 2019, no Brasil, houve um aumento na taxa de suicídio entre jovens de 11 a 20 anos de 49,6%. Crianças. Adolescentes.


Mas vamos lá. É importante dizer que a inoculação ao estresse não é a exposição a qualquer tipo de estressor no início da vida, e sim, fazer com que a criança desenvolva respostas positivas e adaptativas a estressores leves. O estresse severo no início da vida, que geralmente vem acompanhado de negligência e maus tratos, é altamente prejudicial e leva a sérias perdas neurológicas e transtornos de comportamento no futuro. Não, o estresse do qual estou falando é outro.


Dá para calcular o "estresse ideal"?



A essência da inoculação ao estresse reside na ideia de que a exposição prévia ao estresse pode induzir a resiliência ao estresse posterior, se o estresse anterior for de grau ideal e fornecido em um estágio crucial da vida. Mas como calcular esse “estresse ideal”? Como saber se esse estresse é nocivo ou inoculador?


A grande maioria dos estudos sobre inoculação ao estresse, por questões éticas e metodológicas, foram feitos em modelos animais. Vou te dar um exemplo. Um estudo feito em macacos separou os filhotes das mães por breves períodos, ao longo da 17º semana a 27º semana pós-natal. É claro, tiveram macaquinhos-controle que não foram separados. Bem, os macaquinhos separados das mães ficaram mais agitados e tiveram os níveis de hormônio do estresse aumentado nesse período. No entanto, mais tarde na vida, aos 9 meses de idade, esses macacos demonstraram menor ansiedade e diminuição dos níveis do hormônio do estresse quando comparados com os macacos controle. Também mostraram maior controle cognitivo, maior curiosidade e maior volume do córtex pré-frontal ao longo da vida. Nesse caso, o estresse de inoculação foi devido aos curtos períodos de separação da mãe.


O interessante é que a maioria desses estudos indicam que esse estresse de inoculação deve ser um tipo de estresse controlável. O sujeito (macaco, rato ou humano) deve ter controle – ou se sentir no controle - sobre o agente estressor. Se o animal é separado da mãe repetidas vezes, mas a mãe volta, esse estresse se torna previsível e o animal se adapta a ele. Em experimentos com ratos, por exemplo, aqueles que foram submetidos a choques imprevisíveis, daqueles que pegavam os coitados de surpresa, desenvolveram uma resposta exagerada ao medo, angústia e déficit de enfrentamento a agentes estressores no futuro. Os ratos que receberam choque, mas também receberam a capacidade de evitá-los, por exemplo, apertando um botão, se tornaram ratinhos resilientes. É... nosso cérebro não gosta de inconstâncias e imprevisibilidades.


Da ciência para a vida


Vimos aqui que o estresse nem sempre é o vilão. Quando controlável, em doses leves e em determinada fase da vida esse estresse torna a pessoa mais adaptada às dificuldades da vida no futuro.


Lamento te informar, mas esse serzinho pequenino que temos em casa vai crescer e passar por situações como traição, desemprego, o melhor amigo vai tomar o cargo no trabalho, o namorado vai abandonar no pior momento, a empresa vai falir, vai ter um chefe maluco, vai receber muitos nãos, foras e puxadas de tapete. Muitos! E aí?


Não precisa pintar esse cenário para a criança e dizer para um bebê de 2 anos que o futuro dele será miserável, mas que tal enriquecer o ambiente para que ocorra uma inoculação ao estresse?


Talvez deixar os brinquedos um pouco mais afastados, para que ele vá pegar engatinhando. Estão na praia e seu filho quer um picolé? Pois peça para ele chamar o vendedor e buscar o picolé. Talvez você não deva se aborrecer fazendo aquele dever de matemática que seu filho deixou para a última hora e agora não tem tempo de entregar - deixa ele assumir as consequências. Bem, não vou dar mais exemplo, pois acho que você me entendeu.




Fontes:


Ashokan A, Sivasubramanian M, Mitra R. Seeding Stress Resilience through Inoculation. Neural Plast. 2016;2016:4928081. doi:10.1155/2016/4928081.


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Krishnan V, Han MH, Graham DL, Berton O, Renthal W, Russo SJ, Laplant Q, Graham A, Lutter M, Lagace DC, Ghose S, Reister R, Tannous P, Green TA, Neve RL, Chakravarty S, Kumar A, Eisch AJ, Self DW, Lee FS, Tamminga CA, Cooper DC, Gershenfeld HK, Nestler EJ. Molecular adaptations underlying susceptibility and resistance to social defeat in brain reward regions. Cell. 2007 Oct 19;131(2):391-404. doi: 10.1016/j.cell.2007.09.018. PMID: 17956738.


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