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Os efeitos do álcool no cérebro adolescente

Atualizado: 18 de jun. de 2022




A adolescência é considerada uma das fases mais críticas do desenvolvimento humano. Eu costumo dizer que é a nossa fase de babuíno, pois eles são desengonçados e adoram andar em bando. Quem nunca foi um “aborrecente” que atire a primeira pedra.


É na adolescência que cometemos as maiores besteiras, nos arriscamos, nos apaixonamos perdidamente, somos bastante influenciados pelos nossos pares (as amizades), brigamos, temos razão em tudo, sofremos muito ou somos muito felizes. Às vezes tudo isso em um dia. E não é fácil mesmo não. O cérebro adolescente parece um trem desgovernado.


É uma fase que requer muita atenção, paciência e conhecimento dos pais. É na adolescência que o jovem é apresentado ao álcool e às drogas, substâncias que influenciam diretamente o funcionamento do cérebro. E de um cérebro que já não funciona direito!


O cérebro adolescente


Temos uma parte do nosso cérebro, que fica atrás da testa, que se chama córtex pré-frontal. O córtex pré-frontal é a região mais evoluída do cérebro humano e é responsável por nos diferenciar dos outros mamíferos. É basicamente graças ao seu córtex pré-frontal que você pode ser chamado de humano. Por exemplo, essa região é responsável por:

- regulação emocional;

- inibir comportamentos inapropriados;

- controle da atenção e pensamentos;

- memória de trabalho;

- monitoramento de erro;

- análise;

- cálculo da situação;

- simulação do futuro.


O desenvolvimento do cérebro humano acontece de baixo para cima, sendo justamente essa a última região a ser desenvolvida – o córtex pré-frontal termina seu desenvolvimento por volta dos 25 anos. Assim sendo, o adolescente possui um córtex pré-frontal biologicamente imaturo, em comparação com as estruturas mais baixas do cérebro envolvidas com a emoção, o que justifica sua pouca regulação emocional.


É também durante a adolescência que acontece a última grande poda neural. A substância cinzenta do cérebro (que inclui principalmente os corpos dos neurônios, dendritos, células gliais e axônios não mielinizados) diminui bastante durante o desenvolvimento normal do adolescente por meio da remoção das conexões sinápticas fracas. Ao mesmo tempo, aumentam o volume e a integridade da substância branca, representada pelos axônios mielinizados, permitindo uma comunicação mais eficiente entre as várias partes do cérebro.


Em outras palavras, morrem as conexões fracas e se fortalecem as conexões fortes. E o que influencia essas conexões? Experiência!


Os sistemas de neurotransmissores, responsáveis pela comunicação entre os neurônios, também estão alterados durante a adolescência. Não vou me estender por aqui, mas basicamente ocorre uma explosão de dopamina para as regiões límbica e frontal, o que leva a uma maior sensibilidade à recompensa. Nas regiões frontais também ocorrem mais sinapses excitatórias, mediadas por neurotransmissores como o glutamato, e menos sinapses inibitórias, mediadas pelo GABA, levando a um menor controle inibitório. Um trem desgovernado, meus senhores e senhoras.


E por que eu quero tanto que vocês entendam sobre o cérebro? Para saber com o que vocês estão lidando. Não tem como fugir da biologia. É assim que funcionamos.


Acredita-se que toda essa neurobiologia do cérebro adolescente, principalmente a hipersensibilidade à recompensa, junto com o baixo controle inibitório, aumente o desejo do adolescente por experiências novas e arriscadas, incluindo o consumo de álcool e outras neurotoxinas.


O consumo de álcool pelos adolescentes


O álcool é a droga mais utilizada pelos adolescentes, em função das facilidades de acesso e por ser mais aceito socialmente.


Eles começam a utilizar álcool por volta dos 15 anos, sendo esse consumo bastante aumentado por volta dos 20 aos 24 anos. Segundo estatísticas da OMS, os jovens que mais bebem são os europeus, particularmente na Áustria, Chipre e Dinamarca.


Em um relatório da OMS publicado em 2018, estima-se que 27% dos adolescentes de 15 a 19 anos tomaram alguma dose de álcool no mês anterior à pesquisa.


Aqui no Brasil, os dados foram assustadores. Segundo o IBGE, no ano de 2019, 63,3% dos estudantes entrevistados relataram ingerir ao menos uma dose de bebida alcoólica durante o ano. Esse índice pode ter aumentado durante a pandemia do coronavírus, pois outros estudos já mostraram aumento no consumo do álcool pela população geral, inclusive aumento do consumo doméstico durante a pandemia. Ainda de acordo com a mesma pesquisa do IBGE, 34,6% dos estudantes consultados havia experimentado bebida alcóolica pela primeira vez antes dos 14 anos de idade. E pasmem, o indicador foi maior entre as meninas - 36,8%, contra 32,3% entre os meninos – nos dados da OMS, o consumo entre os meninos foi maior. Atenção mães e pais de meninas brasileiras!


Consequências do álcool no cérebro adolescente


Em geral, o uso de altas doses de álcool durante a adolescência têm sido associado a uma série de déficits cognitivos, com alguns domínios cognitivos mostrando relações dependentes da dose, ou seja, quanto maior a dose e o tempo de ingestão, maior o prejuízo cognitivo.


E o que significa altas doses de álcool? Para esclarecer o que significa altas doses ou consumo pesado de álcool podemos utilizar essa tabela abaixo:


Padrão de consumo de álcool
Fonte: Lees B, Meredith LR, Kirkland AE, Bryant BE, Squeglia LM. Effect of alcohol use on the adolescent brain and behavior.

Basicamente, o consumo excessivo de álcool é um padrão de consumo que aumenta a concentração de álcool no sangue de uma pessoa para pelo menos 0,08%, o que equivale a consumir cinco bebidas alcoólicas para homens e quatro bebidas alcoólicas para mulheres em cerca de 2 horas. É a forma mais comum de abuso de álcool em adolescentes e adultos jovens. O consumo pesado de álcool é o consumo excessivo, com maior frequência (4 ou mais vezes por mês).


1 – Consequências neuropsicológicas


Vários estudos identificaram efeitos negativos do consumo pesado de álcool pelos adolescentes na memória, aprendizado, função visuoespacial (identificação e localização de um estímulo), função executiva, capacidade de leitura e impulsividade.


Os adolescentes que bebem muito têm uma atenção geral e função executiva mais fracas. Também demonstram maior reatividade emocional e menor tolerância ao sofrimento do que os que não bebem.


Não foram encontradas alterações cognitivas quando o consumo foi leve, mas nos casos de consumo pesado e sintomas de ressaca e abstinência maiores e frequentes, os danos cognitivos foram bem significativos. Ou seja, quanto maior a dose e frequência do consumo, maior o prejuízo cognitivo.


Falando em ressaca, ela tem desempenhado um papel importante como marcador de dano cerebral. Os pesquisadores encontraram alta correlação entre sintomas de ressaca e piora cognitiva. E aqui não vale aquela premissa de “evite ressaca, continue bêbado”, ok?


2- Consequências na estrutura do cérebro


O consumo de álcool pelo adolescente com um cérebro em desenvolvimento, induz alterações na estrutura cerebral que, dependendo do tempo, quantidade e frequência, podem perdurar até a idade adulta.


Bebedores moderados a pesados possuem trajetória de neurodesenvolvimento alterada em comparação com o controle (bebedores leves ou nulos), com uma maior diminuição no volume da massa cinzenta frontal, temporal e cerebelar, aumento do volume do líquor e pior integridade da substância branca. O que isso quer dizer? Que estruturas do cérebro responsáveis pela cognição, aprendizado, controle emocional e inibitório, tomada de decisão, linguagem e memória podem ter tido seu desenvolvimento prejudicado pelo álcool. E sabe onde encontramos perda da integridade da substância branca? Nos quadros de demência senil. É isso mesmo, meus caros.


Ok, mas e se o adolescente parar de beber?



Os estudos sobre o desenvolvimento cognitivo e neural após a remissão ainda são inconclusivos. Não se sabe ao certo por quanto tempo que o jovem pode beber até que os danos sejam permanentes, mas a maioria dos estudos suportam que a abstinência leva a uma melhora na capacidade cognitiva em curto prazo. Alguns estudos sugerem que, dependendo do tempo de bebedeira, os prejuízos na atenção e função executiva permanecem a longo prazo, enquanto o controle emocional e a tolerância ao sofrimento geralmente melhoram na abstinência.


É importante sabermos que, mesmo que o cérebro recupere suas funções após abstinência, essas alterações cerebrais que ocorrem no cérebro jovem durante o consumo podem ser um fator de risco para o aumento do consumo de álcool no futuro e desenvolvimento de alcoolismo na idade adulta. É algo que se retroalimenta. Será que vale o risco?


Uma coisa é certa: quanto mais cedo o adolescente for tratado e parar ou controlar a bebedeira, maiores são as chances de ele ter um desenvolvimento neurológico normal.







Fonte:


Brown SA, Brumback T, Tomlinson K, et al. The National Consortium on Alcohol and NeuroDevelopment in Adolescence (NCANDA): A Multisite Study of Adolescent Development and Substance Use. J Stud Alcohol Drugs. 2015;76(6):895-908. doi:10.15288/jsad.2015.76.895


Jones SA, Lueras JM, Nagel BJ. Effects of Binge Drinking on the Developing Brain. Alcohol Res. 2018;39(1):87-96.


Lees B, Meredith LR, Kirkland AE, Bryant BE, Squeglia LM. Effect of alcohol use on the adolescent brain and behavior. Pharmacol Biochem Behav. 2020 May;192:172906. doi: 10.1016/j.pbb.2020.172906. Epub 2020 Mar 13. PMID: 32179028; PMCID: PMC7183385.


Meruelo AD, Castro N, Cota CI, Tapert SF. Cannabis and alcohol use, and the developing brain. Behav Brain Res. 2017;325(Pt A):44-50. doi:10.1016/j.bbr.2017.02.025


Squeglia LM, Jacobus J, Tapert SF. The effect of alcohol use on human adolescent brain structures and systems. Handb Clin Neurol. 2014;125:501-10. doi: 10.1016/B978-0-444-62619-6.00028-8. PMID: 25307592; PMCID: PMC4321715.



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